Missão África

Como a visão missionária pode ajudar a sua igreja

Se formos capazes de nos comunicar com os que são extremamente diferentes de nós, seremos extremamente eficazes em comunicar dentro da nossa própria cultura.

No Brasil, a gente se cumprimenta uns aos outros dizendo poucas palavras: “bom dia, tudo bem? ”. Não é comum perguntar de outras pessoas, a não ser que estejam doentes. Aqui na África, ninguém conseguiria estabelecer um bom relacionamento sem praticar as longas saudações. Quando você faz a saudação, você tem que perguntar dos demais membros da família dizendo os seus nomes. Sempre será uma saudação demorada antes de conversar sobre qualquer outro assunto. Esse é apenas um dos aspectos da cultura em que o servo de Cristo deve estar atento e aprender a praticar.

APRENDER é a palavra chave para testemunhar em outra cultura. O nosso maior exemplo de um missionário (grec. “apóstolos”) é Jesus que “embora sendo Filho, APRENDEU a obediência pelas coisas que sofreu”[i]. Antes de Jesus dizer “aprendam comigo”[ii] ele aprendeu. Mesmo que você seja um professor e um líder no seu próprio país, na nova cultura você se torna como uma criança aprendendo coisas básicas da vida.

Os irmãos do Comitê de Lausanne que se reuniram em Willowbank, nas ilhas Bermudas, para pensar biblicamente a evangelização do mundo no final do século XX, buscaram inspiração em Cristo e sua encarnação. Eles escreveram o seguinte:

“Meditando sobre Filipenses 2, vimos que a auto-humilhação de Cristo começou em sua mente: “não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ”. Assim, somos ordenados a deixar que sua mente esteja em nós e com humildade ter em conta os outros melhores ou mais importantes do que nós mesmos. Essa “mente” ou “perspectiva” de Cristo é um reconhecimento do valor infinito dos seres humanos e do privilégio que é servi-los. As testemunhas que têm a mente de Cristo terão um profundo respeito pelas pessoas a quem servem e por suas culturas. ”[iii]

A gente só aprende quando valoriza. A exemplo de nosso Senhor, somos chamados a valorizar os outros mais do que a nós mesmos.[iv] É verdade que isso começa em casa e na nossa própria comunidade, em nossa própria igreja. Mas até aí a gente está valorizando a nós mesmos. Gente da nossa própria cultura é gente que está agregada a nós e todo valor retorna para nós mesmos. Mas ir ao encontro de outras comunidades é valorizar a Glória de Deus. Cada ser humano na face da terra é importante porque ele traz em si mesmo a imagem de Deus. “O Homem é a glória de Deus”[v]. Essa imagem de Deus foi distorcida pelo pecado, mas o Evangelho veio para resgatar essa imagem. O Evangelho veio na pessoa de Jesus que abriu o caminho para que nós fossemos enviados e andássemos em seus passos[vi]. Ele quer que a gente ande ao encontro do outro.

Nas nossas atitudes desastrosas, muitas vezes a gente vai de encontro ao outro e causa um estrago. Por isso é importante ter a mente de Cristo que se humilhou a si mesmo. Esse respeito pelo outro irá abrir o caminho para a Palavra salvadora de Cristo.

Nós temos a chave dada por Deus para discernir o que é bom, respeitando a cultura. Um dos princípios dado por Samuel J. Voorhies em Princípios do Desenvolvimento Transformacional Cristão Holístico é entender e respeitar a cultura local sem deixar de evangelizar:

“Compreenda e respeite a cultura local. No entanto, discernir que, embora cada pessoa seja intrinsecamente valiosa, toda cultura tem aspectos positivos e negativos que podem ou não ser compatíveis com o ensino bÍblico. ”[vii]

Nosso país dividido, Igreja dividida

O Brasil está num momento dramático da política e da própria sociedade. Quase a metade da população considera a prisão do ex-presidente Lula injusta[viii]. Há uma divisão de pensamentos e ideologias. Muitos estão questionando a justiça e desconfiando dela. Essa divisão afetou a igreja. É interessante ver como os cristãos se apegam em um dos dois polos e demoniza o outro. Mas se levarmos o exemplo de Jesus descrito acima na prática, nós abriremos o diálogo sem que isso implique em abrir mão das nossas convicções. Apenas vamos encontrar o outro onde ele está. Pense em como a sua igreja consegue se comunicar com as pessoas lá fora. Pense em como Jesus colocou no mesmo grupo de discípulos um publicano e um zelote, um imperialista e um revolucionário. Eles não tinham que abrir mão das suas convicções políticas, mas sim, reconhecer que o reino de Deus já chegou. O evangelho vai filtrar tudo que não é bom em cada cultura e ideologia e vai confirmar o que é verdadeiro. Isso abre caminho para um diálogo com uma postura humilde para ouvir o que o outro tem a dizer a partir da sua reflexão.

A Palavra de Deus é radicalmente equilibrada

É interessante como Deus sempre demonstrou equilíbrio e moderação. Nós nos desequilibramos nos polos. Deus, ele fala de “graça e verdade”, “paz e justiça”, “fé e obras”, “corpo e alma”, “esporte e piedade”, “pregação da Palavra e serviço às mesas”, “evangelismo e ação social”, “amor e justiça”, etc. Nós não temos que pender para apenas um lado dessas coisas. Nossa visão deve ser holística. Ainda lembrando de Lausanne, no pacto estabelecido pelos nossos irmãos que estiveram lá há 44 anos atrás, eles afirmaram: “todo o Evangelho, em todo o mundo, para o ser humano todo.”

O que eu quero dizer com esse artigo e justificando o seu título é que qualquer igreja que pratica a missão em todas as suas áreas será uma igreja mais saudável dentro dela mesma e na comunidade onde ela existe. Veja como as palavras de Willowbank se aplicam tanto ao testemunho do evangelho em outras culturas como também dentro da sua própria comunidade:

“Testemunhas transculturais sensíveis não chegam ao seu novo local de trabalho com um evangelho enlatado. É preciso que tenham uma compreensão clara da verdade “dada” do evangelho. Mas esta­rão fadados ao fracasso em sua comunicação se tentarem impô-la às pessoas sem referência à sua própria situação cultural e à situação cultural das pessoas que vão ouvir a mensagem. Somente através de um compromisso amoroso e ativo com o povo local, levando em conta sua maneira de pensar, compreendendo sua cosmovisão, ouvindo suas perguntas e sendo sensíveis às suas dificuldades, é que a co­munidade inteira dos que crêem (de que o missionário é parte) terá condições de reagir favoravelmente às necessidades desse povo.”

Portanto, fica aqui a dica para você e sua igreja. Fazer missões não é uma alternativa. Missões é vital para a Igreja de Jesus, o missionário.

 

Nos passos de Jesus,

Celso Fonseca

 

Sobre o autor:
Celso Fonseca é esposo de Andreia, pai de dois filhos, Samuel, esposo de Gabriella, e Daniel e avô de um neto.
Ministro batista nacional, formado em teologia pela Faculdade Unida de Vitória, missionário da JAMI na África Ocidental.

[i] Hebreus 5:8

[ii] Mateus 11:29

[iii] Relatório da reunião de Consulta realizada em Willowbank, Somerset Bridge, Bermudas, entre 06 e 13 de janeiro de 1978. Patrocinada pelo Grupo de Teologia e Educação de Lausanne

[iv] Filipenses 2:3

[v] 1Coríntios 11:7

[vi] 1Pedro 2:21

[vii] Winter, Ralph; Hawthorne, Steven. Perspectives on the World Christian Movement: Reader and Study Guide – eBook (Locais do Kindle 23923-23925). William Carey Library. Edição do Kindle.

[viii] https://g1.globo.com/politica/noticia/datafolha-aponta-que-prisao-de-lula-foi-justa-para-54-e-injusta-para-40.ghtml

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